domingo, 20 de setembro de 2015

travesssias por uma ancestralidade feminina e negra

Eu quero um eu-lírico sem meios tons. O cansaço e o passado já não me iludem, pois a carga de ser mulher negra tem trazido muitas reflexões. Não se nasce negra, torna-se - parafraseando a Simone de Beauvoir. E por esses descaminhos, a solitude não me completa, só me convece do quanto emergi de uma insurgência feminina negra, já iniciada desde quando a primeira mulher africana pisou nesse Brasil. Ainda tenho muito o que aprender com elas, os meus passos vieram de longe. Traço os meus pés entre Dandara e a minha avó Raimunda, morta aos quarenta anos por uma medicação fora da validade, num pós-cirúrgico, no interior do Piauí, quando deixou nove filhos quase órfãos, com a filha mais velha aos 15 anos (Telé, minha mãe), para cuidar de seu futuro sozinha, também. São tantas histórias que confluem para esse rio, orquestrado em barcos ilhados, tantas vezes deprimidas, muitas outras altivas, ou tudo ao mesmo tempo. E a nossa única garantia é não desistir. Assim, carrego a força dessa ancestralidade: poder rever tal travessia e mergulhar nesse risco íntimo que não vão nos arrancar. E assim persisto por uma solidariedade ao nosso protagonismo que não está visível nas prateleiras das convenções sociais/ étnico-racial, porém, partilhado em grupos de mulheres, cada vez que nos encorajamos da necessidade já anunciada de não sumir de vez, não somente por nós, sim, pelos nossos filhas/ filhos. 

Antes, eu escrevia para me salvar. Agora, só desejo construir-me em narrativas por todas nós, mulheres negras. 


Um comentário:

  1. Nossa que lindeza, caramba! Faltou o ar aqui...
    E na escrita que a gente despeja todo nosso eu.
    O eu nosso e o eu ancestral
    Sendo assim, eu me vejo em você

    #PretaRara

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